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terça-feira, 7 de março de 2017

Vendo Vozes - Fichamento

Fichamento: SACKS OLIVER. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo. Companhia das Letras. 2010.



"Relação da linguagem com o pensamento - que compõe a mais profunda, a suprema questão quando refletimos sobre o que aguarda, ou pode aguardar, aqueles que nascem ou muito cedo se tornam surdos." p 16

"Wright discorre sobre "vozes fantasmagóricas" que ele ouve quando alguém lhe fala, (...) [Minha Surdez] ficou mais dificil de perceber porque desde o principio meus olhos inconscientemente haviam começado a traduzir o movimento em som. Minha mãe passava grande parte do dia ao meu lado e eu entendia tudo o que ela dizia. Por que não? Sem saber, eu vinha lendo seus lábios a vida inteira. quando ela falava, eu parecia ouvir sua voz. Foi uma ilusão que persistiu mesmo depois de eu ficar sabendo que era uma ilusão. Meu pai, meu primo, todas as pessoas que eu conhecia conversavam com vozes fantasmagóricas. Só me dei conta de que eram imaginárias, projeções do hábito da memória, depois de sair do hospital. Um dia eu estava conversando com meu primo, e ele, num momento de inspiração, cobriu a boca com a mão enquanto falava. Silencio! De uma vez por todas, compreendi que quando não podia ver eu não conseguia escutar.(...) . Para Wright, para os que ficaram surdos depois de a audição estar bem estabelecida, o mundo pode permanecer repleto de sons, muito embora sejam "fantasmagóricos." ' p18

"Pode-se debater se a surdez é ou não "preferível" a cegueira quando adquirida não muito cedo na vida; mas nascer surdo é infinitamente mais grave do que nascer cego pelo menos de forma potencial. Isso porque os que têm surdez pré-linguística, incapazes de ouvirem seus pais, correm o risco de ficar seriamente atrasados, quando não permanentemente deficientes, na compreensão da língua, a menos que se tomem providencias eficazes com toda a presteza. E ser deficiente na linguagem, para um ser humano, é uma das calamidades mais terríveis, porque é estado e cultura humanos, que nos comunicamos livremente com nossos semelhantes, adquirimos e compartilhamos informações(...) foi por esse motivo que os natissurdos, ou, em inglês 'deaf and dumb', foram julgados 'estúpidos' por milhares de anos e considerados 'incapazes' (...) Essa situação só começou a ser remediada em meados do século XVIII. "p 19,20

"A menina nãoera estupida,mas, tendo nascido surda, adquiriu lenta e penosamente um vocabulário que ainda era demasiado reduzido para lhe permitir lar por diversão ou prazer. (...) alguém lhe ensinara ou ela fora obrigada a aprender. E essa constitui uma diferença fundamental entre crianças que ouvem e as surdas congênitas - ou constituída,"p 22

"Wright -, os sinais floresciam na escola, irreprimíveis apesar dos castigos e proibições. (...) O que estou descrevendo não é o modo como falávamos, e sim como conversávamos entre nós quando nenhuma pessoa ouvinte estava presente. Nesses momentos, nosso comportamento e nossas conversas eram muito diferentes. Relaxávamos as inibições, não usávamos máscara." p 23

"Uma criança com surdez pós-linguística e uma sólida compreensão da língua, a escola foi, manifestamente, excelente. (...) para outras criança com surdez pré-linguística, uma escola dessas, com seu método inexoravelmente oral, foi um verdadeiro desastre." p 23

"Sicard prossegue explicando que, em razão de a pessoa surda não possuir "símbolos para fixar e combinar ideias [...], existe um vácuo absoluto de comunicação entre ela e as outras pessoas." ". p25

"De l'Epée Se não tivéssemos voz nem língua e assim quiséssemos expressar coisas uns aos outros, não deveríamos, como aqueles que ora são mudos, esforçar-nos para transmitir o que desejássemos dizer com as mãos, a cabeça e outras partes do corpo?" p 25

"Percepção do médico- filosofo Cardano no século XVI: é possível dar a um surdo-mudo condições de ouvir pela leitura e de falar pela escrita [...] pois assim como diferentes sons são usados convencionalmente para significar coisas diferentes, também podem ter essa função as diversas figuras de objetos e palavras [...] Caracteres escritos e ideias podem se conectados sem a intervenção de sons verdadeiros." p 25

"A escola de L'Epée, fundada em 1755, foi a primeira a obter auxilio publico. (...) , em 1789, já haviam criado 21 escolas para surdos na França e na Europa. " p 27

"Desloges (...) No inicio de minha enfermidade, e enquanto vivi separado de outras pessoas surdas [...] não tive conhecimento da língua de sinais. Eu usava apenas sinais esparsos, isolados e não relacionados. Desconhecia a arte de combiná-los para formar imagens distintas com as quais podemos representar varias ideias, transmiti-las a nossos iguais e conversar em discurso lógico." p27

"Hughlings - Jackson "O paciente sem fala perdeu-a não apenas no sentido popular, de não conseguir expressar-se em voz alta, mas no sentido completo. Falamos não apenas para dizer a outras pessoas o que pensamos, mas para dizer a nós mesmos o que pensamos. A fala é uma parte do pensamento." p 28

"a inteligencia, embora presente e talvez abundante, fica trancada pelo tempo que durar a ausência de uma língua." p 29

"Com Thomas Gallaudet, Clerc fundou em 1817 o Americam Asylum for the Deaf, em Hartford."p. 31

"O aumento da alfabetização e educação entre os surdos foi tão espetacular nos Estados Unidos quanto fora na França, e logo difundiu-se por todas as partes do mundo. " p 32

"Em 1864, o Congresso aprovou uma lei autorizando a Columbia Institution for the Deaf and the Blind, em Washington, a transformar-se numa faculdade Nacional para surdos-mudos, a primeira instituição de ensino superior especificamente para surdos. O primeiro reitor foi Edward Gallaudet - Filho de Thomas Gallaudet" p  32

"O grande impluso na educação e emancipação dos surdos que entre 1770 e 1820 arrebatara  a França continuou assim sua trajetória triunfante nos Estados Unidos até 1870(Clerc, imensamente ativo ativo até o fim, e com uma personalidade carismática, morreu em 1869). E então- esse é o momento crítico de toda a história - a maré virou, voltou-se contra o uso da língua de sinais pelos surdos e para os surdos, de tal modo que em vinte anos se desfez o trabalho de um século" p 32,33

"Edward Gallaudet, por sua vez, era um homem de mente aberta que viajaram muito pela Europa em fins da década de 1860, visitando escolas de surdos de 14 países. Ele descobriu que a maioria dessas escolas usava tanto a língua de sinais como a fala, e que aquelas que empregavam a língua de sinais tinham resultados tão bons quanto as escolas orais no quesito de articulação da fala, mas obtinham resultados melhores na educação geral. Ele concluiu que a capacidade de articulação, embora muito desejável, não podia ser a base da instrução primária, e que isso tinha de ser conseguido, e rapidamente, por meio da língua de sinais".p 34

"O mais importante e poderoso dos representantes 'oralistas' foi Alexandre Graham Bell, (...) Quando Bell jogou todo o peso de sua imensa autoridade e prestígio na defesa do ensino oral para os surdos, a balança finalmente pendeu, e no célebre Congresso Internacional de Educadores Surdos, realizado em 1880 em Milão, no qual os próprios professores surdos foram excluídos da votação, o oralismo saiu vencedor e o uso da língua de sinais nas escolas foi 'oficialmente' abolido.(...) Uma das consequências disso foi que a partir de então professores ouvintes, e não professores surdos, tiveram de ensinar os alunos surdos. A proporção de professores surdos, que em 1850 beirava os 50%, diminuiu para 25% na virada do século e para 12% em 1960." p 34,35

"Hans Furth, psicologo cujo o trabalho é voltado para a cognição dos surdos, afirma que estes se saem tão bem quanto ouvintes em tarefas que medem a inteligência sem a necessidade de informações adquiridas. " p 36

" E foi só na década de 1960 que historiadores e psicólogos, bem como pais e professores de crianças surdas, começaram a indagar: "O que aconteceu?O que está acontecendo?" . Foi só nos anos 1960 e inicio dos anos 1970 que essa situação chegou ao grande público."p 36

"A verdadeiras línguas de sinais são, de fato, completas em si mesmas: sua sintaxe, gramática e semântica são completas, possuindo, porém um caráter diferente do de qualquer língua falada ou escrita.Assim não é possível transliterar uma língua falada para a língua de sinais palavra por palavra ou frase por frase - suas estruturas são essencialmente diferentes. " p 37

"Não Há indícios de que o uso de uma língua de sinais iniba a aquisição da fala. De fato, provavelmente ocorre o inverso."p 38

"O que é necessário, eu me perguntava, para nos tornarmos seres humanos completos? (...)um modo dramático - de investigar esses temas é examinar seres humanos privados da língua. (...) afasia - é a privação da língua (devido a um derrame ou outro acidente cerebral) na mente já formada, num individuo completo. "p40

" Está claro que o pensamento e a linguagem possuem origens (biológicas) absolutamente separadas, que examinamos, mapeamos o mundo e reagimos a ele muito antes de aprender uma língua; e que existe uma enorme esfera de pensamento - nos animais ou nos bebês - muito antes da emergencia da língua. "p 44

"A lingua permite-nos lidar com coisas à distância, agir sobre elas sem manuseá-las fisicamente. Primeiro, podemos agir sobre outras pessoas, ou sobre objetos por meio de pessoas. [...] Segundo, podemos manipular símbolos de modos que seriam impossíveis com as coisas que eles representam e, assim, chegar a versões inusitadas e criativas da realidade." p 45

"L. S. Vygotsky escreve: Uma palavra não se refere a um único objeto, mas a um grupo ou classe de objetos. Cada palavra, portanto, já é uma generalização. A generalização é um ato verbal de pensamento e reflete a realidade de um modo bem diferente do refletido pela sensação e pela percepção." p 49

"Há em Fremont uma proporção incomumente elevada de crianças com pais surdos (...). Tendo adquirido a língua de sinais como língua nativa desde bebês, essas crianças nunca chegaram a vivenciar a tragédia da falta de comunicação com os pais, que costuma ser o destino dos profundamente surdos. (...) Se algumas crianças surdas têm resultados tão melhores do que outras, apesar da surdez mais profunda, não deve ser a surdez em si que está causando o problema, e sim algumas das consequências da surdez - em especial a dificuldade ou distorções da vida comunicativa desde o princípio." p 57

"Nascemos com nossos sentidos; eles são "naturais". é possível desenvolvermos sozinhos, naturalmente, as habilidades motoras. Mas não podemos adquirir sozinhos uma língua: essa capacidade insere-se numa categoria única. Não se pode desenvolver uma língua sem alguma capacidade inata essencial, mas essa capacidade só é ativada por uma outra pessoa que já possui capacidade e competência linguísticas. é somente por meio de transação (ou, como diria Vygotsky, "negociação")com outra pessoa que a linguagem é desenvolvida. " p 59

"A mãe tem de estar sempre um passo à frente, no que Vygotsky denomina "zona de desenvolvimento próxima"; o bebê apenas pode passar à etapa seguinte, ou concebê-la, quando ocupada e comunicada por sua mãe."p 59

"O intercurso social e o emocional, e também o intercurso intelectual, têm início no primeiro dia de vida. Vygotsky interessou-se muito por esses estágios pré-linguísticos, pré-intelectuais da vida, mas seu interesse especial era pela linguagem e pelo pensamento e como eles se reúnem no desenvolvimento da criança. Vygotsky nunca esquece que a linguagem tem sempre e ao mesmo tempo, função social e intelectual, e também não se esquece nem por um momento da relação entre intelecto e afeto, de que toda comunicação, todo pensamento, é também emocional, refletindo "as necessidades e interesses pessoais, as inclinações e impulsos" do individuo." p 59,60

" Schlesinger mostrou que o "salto dialético" mencionado por Vygotsky - o salto das sensações para o pensamento - envolve não apenas a conversa , um diálogo rico em intenção comunicativa, em reciprocidade e no tipo certo de questionamento para que a criança venha a fazer com exito esse salto importante." p 60,61

"Essas mães, portanto, incentivam a formação de um mundo conceitual que, longe de empobrecer, realça o mundo perceptivo, enriquecendo-o e elevando-o continua mente ao nível do símbolo e do significado. O diálogo inadequado, a comunicação falha, na opinião de Schlesinger, levam não apenas à constrição intelectual, mas também à timidez e à passividade a mente, leva a uma autossuficiencia, um arrojo, um espirito brincalhão, um humor que acompanharão a pessoa pelo resto da vida." p 63,64

"O diálogo impulsiona a linguagem, a mente; mas, depois que esta é impulsionada, desenvolvemos um novo poder, a "fala interna", e esta é que é imprescindivel para nosso desenvolvimento mais amplo, nosso pensamento. "A fala interna" explica Vygotsky, "é uma fala quase sem palavras[...] ela não é o aspecto interior da fala externa, é uma função em sim mesma [...]Enquanto na fala externa o pensamento corporifica-se em palavras, na fala interna as palavras morrem quando dão à luz o pensamento. A fala interna é, em grande medida, pensamento em significados puros." p 67

" Escreveu Vygotsky (...) "Nós somos nossa linguagem", costuma-se dizer; mas nossa verdadeira linguagem, nossa verdadeira identidade, reside na fala interna, no incessante fluxo e geração de significado que constitui a mente individual." p 67

"De fato, temos aqui um paradoxo: à primeira vista, a língua de sinais afigura-se pantomímica; dá a impressão de que prestando atenção, logo a "entenderemos" - todas as pantomimas são fáceis de entender. Mas à medida que continuamos a olhar, perdemos essa sensação de "já sei"; ficamos vexados ao descobrir que, apesar de sua aparente transparência, ela é ininteligível." p 70

"Nenhum linguista, nenhum cientista deu atenção à língua de sinais até fins da década de 1950, quando William Stokoe, jovem medievalista e linguista, encontrou seu caminho para Gallaudet College. Stokoe pensava ter ido para ensinar Chaucer aos surdos, mas logo se deu conta de que havia caído, por sorte ou por acaso, num dos meios linguísticos mais extraordinários do mundo. A língua de sinais naquela época, não era considerada uma língua propriamente dita, mas uma espécie de pantomima ou código gestual. (...) A genialidade de Stokoe foi perceber, e provar, que não era nada daquilo; que ela satisfazia todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico e na sintaxe, na capacidade de gerar um número infinito de proposições. (...) Stokoe convenceu-se de que os sinais não eram figuras, e sim complexos símbolos abstratos com uma estrutura interna complexa. Foi, então, o primeiro a buscar uma estrutura, a analisar os sinais, dissecá-los, procurar as partes constituintes. desde o começo ele tentou demonstrar que cada sinal possuía pelo menos trÊs partes independentes - localização, configuração das mãos e movimento e movimento executado.(...) Foi preciso uma serena e imensa autoconfiança, até memso obstinação, para empenhar-se nesses estudos, pois quase todos, ouvintes e surdos igualmente, a princípio consideraram absurdas ou heréticas as concepções de Stokoe, e seus livros, quando publicados, foram vistos como inúteis ou disparatados." p 70,71

"Noam Chomsky revelou-nos explicitamente "como se são usos infinitos a esses meios finitos em línguas específicas" - e investigou "as propriedades mais profundas que definem a 'linguagem humana' em geral". Essas propriedades mas profundas Chomsky denomina "estrutura profunda" da gramática: ele as considera uma característica inata, específica da espécie no homem, que permanece latente no sistema nervoso até ser despeitada pelo efetivo uso da língua. Chomsky visualiza essa "gramática profunda" como um vasto sistema nervoso até ser despeitada pelo efetivo uso da língua. Chomsky visualiza essa "gramática profunda" como um vasto sistema de regras , contendo uma determinada estrutura geral fixa que, às vezes, ele julga análoga ao córtex visual, o qual possui todo tipo de recursos inatos para ordenar a percepção visual. Até agora, ignoramos quase totalmente o substrato neural dessa gramática - mas sua existência, bem como sua localização aproximada, são indicadas pelo fato de que encontramos afasias, inclusive afasias na língua de sinais, nas quais a competencia gramatical, e só ela, é especificamente prejudicada." p 72


"não se ensina gramática à crianças, tampouco a criança aprende; ela a constrói a partir dos "dados escassos e degenerados" à sua disposição. E isso não seria possível se a gramática, ou sua possibilidade, já não existisse na criança, em alguma forma latente que se encontra à espera para concretizar-se." p 73

"Bellugi, discorrendo sobre seu trabalho inicial com Roger Brown, (...) " A diferenciação e a integração simultânea altamente intricada que constituem a evolução da locução substantiva lembram mais o desenvolvimento biológico de um embrião do que a aquisição de um reflexo condicionado ". A segunda maravilha de sua vida como linguista, afirma Bellugi, foi dar-se conta de que essa fascinante estrutura orgânica - o intricado embrião da gramática - podia existir numa forma puramente visual, como de fato existe na língua de sinais." p 74

" Os potenciais da linguagem existem em todos nós - isso é fácil de entender. Mas  que os potenciais para uma modalidade visual de linguagem também sejam tão grandes - isto é espantoso, e dificilmente, e dificilmente seria previsto se de fato não existisse língua visual. Porém da mesma forma, poderiamos dizer que fazer sinais e gestos, embora sem uma estrutura linguística complexa, remota a nosso passado remoto, pré-humano - e que a fala, na verdade, é a recém-chegada na evolução; uma recém-chegada muitíssimo bem-sucedida, capaz de substituir as mãos, liberando-as para outras finalidades que não a comunicação.(...) Portanto, os surdos, e sua língua, demonstram-nos não apenas a flexibilidade mas também os potenciais latentes do sistema nervoso." p 77

"A característica isolada mais notável da língua de sinais - que a distingue de todas as demais línguas e atividades mentais - é seu inigualável uso linguístico do espaço. A complexidade desse espaço linguístico é esmagadora para o olho "normal", que não consegue ver, e muito menos entender, o tremendo emaranhado de seus padrões espaciais Encontramos na língua de sinais, em todos os níveis - léxico, gramatical, sintático -, um uso linguístico do espaço: um uso que é espantosamente complexo, pois boa parte do que na fala ocorre de modo linear, sequencial, temporal, na língua de sinais torna-se simultâneo, coincidente, com múltiplos níveis." p 77,78

"Para Stokoe - e nessa opinião ele é apoiado pela intuição de artistas, dramaturgos e atores que se expressam na língua de sinais - , é que esta n~´ao possui meramente uma estrutura de prosa ou narrativa, mas também é essencialmente "cinemática"" p 79

"De fato, a primeira e principal descoberta para a língua de sinais, tanto quanto para a fala, e que a língua de sinais usa algumas das mesmas vias neurais que são necessárias ao processamento da fala gramatical - mas, em adição, algumas vias normalmente associadas ao processamento visual." p 83


  " Também Hellen Neville demonstrou que a comunicação na língua de sinais usa predominantemente o hemisfério esquerdo, ela provou que a língua de sinais é "lida" com maior rapidez e precisão por seus usuários quando apresentada no campo visual direito (as informações de cada lado do campo visual sempre são processadas no hemisfério oposto). Isso também pode ser demonstrado, de um modo muito notável, observando-se os efeitos de lesões (por derrames etc.)"p 83

"os usuários da língua de sinais apresentam a mesma lateralidade cerebral que os falantes, muito embora sua língua seja inteiramente de natureza visual-espacial (e, como tal, se poderia esperar que fosse processada no hemisfério direito". p 84

"é como se nos usuários da língua de sinais o hemisfério esquerdo "assumisse" a esfera da percepção visual-espacial, modificando-a, aguçando-a de um modo sem precedentes, conferindo-lhe um caráter novo, altamente analítico e abstrato, possibilitando uma língua e uma concepção visual." p 85

"no campo visual periférico (A percepção intensificada de estímulos desse tipo é crucial na comunicação da língua de sinais, pois os olhos do indivíduo que executa os sinais geralmente se fixam no rosto da pessoa com quem ele se comunica, e portanto os movimentos de sinais das mãos aparecem na periferia do campo visual." p 89

"Mas as intensificações mais extraordinárias foram observadas nos surdos usuários da língua de sinais - e nestes, curiosamente, a intensificação de potenciais evocados disseminou-se penetrando o lobo temporal esquerdo, o qual de maneira geral é considerado responsável por uma função puramente auditiva. Essa é uma descoberta notável e, desconfia-se, fundamental pois indica que áreas normalmente auditivas estão sendo realocadas, nos surdos usuários da língua de sinais, para o processamento visual. Essa é uma das mais espantosas demonstrações da flexibilidade do sistema nervoso e do grau de sua adaptabilidade a um modo sensorial diferente." p 90

"o papel da experiencia do individuo e o desenvolvimento deste, quando passa das primeiras tentativas hesitantes(em tarefas linguísticas ou outras tarefas cognitivas) à perícia e perfeição. (Nenhum hemisfério é "mais avançado" ou "melhor" do que o outro;eles são meramente apropriados para diferentes dimensões e estágios do processamento. Os dois são complementares e interage,; e, pelo esforço conjunto, permitem o domínio de novas tarefas). Essa concepção deixa claro, sem paradoxo, que a língua de sinais (embora visual-espacial) pode tornar-se uma função do hemisfério esquerdo e que muitos outros tipos de habilidade visual(...) .Podemos entender por que o usuário da língua de sinais torna-se uma espécie de "perito" visual de várias maneiras, em determinadas tarefas não linguísticas - por que ele pode desenvolver não apenas a linguagem visual mas também uma especial sensibilidade e inteligência visual." p 92

" todas as línguas de sinais nativas possuem uma estrutura espacial muito semelhante. Nenhuma delas tem a mínima semelhança com o inglês em sinais ou com a fala em sinais. Todas apresentam, sob suas diferenças específicas, alguma semelhança genérica com a ASL. Não existe uma língua de sinais universal, mas existem, aos que parece, universais em todas as línguas de sinais, universais não apenas de significado, mas de forma gramatical." p 99

" A forma particular da gramática que Chomsky denomina gramática "superficial" (seja ela a gramática - do inglês, do chines ou da língua de sinais) - é determinada pela experiencia do individuo; não é uma dotação genética, mas uma realização epigenética. Ela é "aprendida", ou talvez devêssemos dizer, pois estamos lidando com algo primitivo e pré- consciente, ela evolui por meio da interação de uma competência linguística geral (ou abstrata) com as particularidades da experiência - uma experiência que, nos surdos, é distinta, e de fato única, porque ocorre num modo visual." p 99

" Ser surdo, nascer surdo, coloca a pessoa numa situação extraordinária; expóe o indivíduo a uma série de possibilidades linguísticas e, portanto, a uma série de possibilidades intelectuais e culturais que nós, outros, como falantes nativos num mundo de falantes, não podemos sequer começar a imaginar. Não somos privados nem desafiados linguisticamente como os surdos: jamais corremos o risco da ausência de uma língua, da grave incompetência linguística; mas também não descobrimos, ou criamos, uma língua surpreendentemente nova." p 101

"A surdez em si não é o infortúnio; o infortúnio sobrevém com o colapso da comunicação e da linguagem." p 101

"Contudo, nada disso precisa acontecer. Embora os perigos que ameaçam uma criança surda sejam muito grandes, por sorte eles são inteiramente evitáveis. Ter um filho surdo, filhos gêmeos, um filho cego ou um prodígio requer flexibilidade e engenhosidade especiais dos pais. Muitos pais de crianças surdas sentem-se impotentes diante de tamanha barreira de comunicação com o filho, e a possibilidade de uma barreira assim ser derrubada é um tributo à adaptabilidade tanto dos pais como da criança." p 102

"Basta observar duas pessoas comunicando-se na língua de sinais para percebermos que esta possui uma qualidade divertida, um estilo muito diferente do da língua falada. Seus usuários tendem a improvisar, a brincar com os sinais, a trazer todo seu humor, sua imaginação, sua personalidade para o que estão comunicando, de modo que o uso da língua de sinais não é só a manipulação de símbolos segundo regras gramaticais, mas, irredutivelmente, a voz do usuário - uma voz com uma força especial, porque é emitida, de um modo muito imediato, com o corpo. Pode-se ter ou imaginar uma fala sem um corpo, mas não se pode ter uma língua de sinais sem um corpo. " p 103

" A língua emerge - biologicamente - de baixo, da necessidade irreprimível que tem o individuo humano de pensar e se comunicar. Mas ela também é gerada, e transmitida da história, das visões de mundo, das imagens e paixões de um povo. A língua de sinais é para os surdos uma adaptação única a um outro modo sensorial; mas é também, e igualmente, uma corporificação da identidade pessoal e cultural dessas pessoas. Pois na língua de um povo, observa Herder, "reside toda a sua esfera de pensamento, sua tradição, história, religião e base da vida, todo o seu coração e sua alma". Isso vale especialmente para a língua de sinais, porque ela é a voz - não só biológica mas cultural, e impossível silenciar - dos surdos." p 105

"No inicio da década de 1970, o oralismo que imperou exclusivo durante 96 anos entrou em reversão, e a "comunicação total" (o uso conjunto da língua de sinais e da língua falada) foi introduzida (ou reintroduzida, como havia sido muito comum, em vários países, um século e meio antes). " p 124

"Stokoe afirmara desde o início que os surdos deviam ser bilíngues (e biculturais), que deviam adquirir a língua da cultura dominante mas também, igualmente, a sua própria, a língua de sinais." p 124

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