"O campo da visão sempre me pareceu comparável ao sítio de uma escavação arqueológica" Paulo Virilio
"O rápido desenvolvimento, em pouco mais de uma década, de uma enorme variedade de técnicas de computação gráfica é parte de uma drástica reconfiguração das relações entre o sujeito que observa e os modos de representação. Tal reconfiguração invalida a maior parte dos significados culturalmente estabelecidos para os termos observador e representação" p 11
"cada vez mais as tecnologias emergentes de produção de imagem torna-se os modelos dominantes de visualização, de acordo com os quais funcionam os principais processos sociais e instituições. E claro elas estão entrelaçadas com as necessidades das indústrias de informação global e com as exigências crescentes das hierarquias médicas, militares e policiais " p 11
"Cada vez mais a visualidade situar-se-á em um terreno cibernético e eletromagnético em que elementos abstratos, linguísticos e visuais coincidem, circulam, são consumidos e trocados em escala global." p 12
"Há uma mutação em curso na natureza da visualidade, quais formas e modos estão sendo deixados para traz? Que tipo de ruptura é essa?...Quais elementos de continuidade ligam a produção contemporânea das imagens às antigas organizações do visual? Em que medida a infografia de vídeo constituem uma reelaboração e um refinamento do que Guy Debord denominou "sociedade do espetáculo"? Qual a relação entre as imagens desmaterializadas, ou digitais, do presente e a assim chamada era da reprodutibilidade técnica? ... como o corpo, incluída a visão, está se tornando um componente de novas máquinas, economias e aparatos, sejam eles sociais, libidinais ou tecnológicos?De que maneira a subjetividade está se convertendo em uma precária interface entre sistemas racionais de troca de rede de informação? " p 12
"Ao esboçar alguns "pontos de emergência" de um regime de visão moderno e heterogêneo, abordo simultaneamente o problema correlato de quando, ou em função de quais eventos, houve uma om os modelos renascentistas, ou clássicos, de conceber a visão e o observador. No início do século XIX, a ruptura com os modelos clássicos de visão foi muito mais do que uma simples mudança na aparência das imagens e das obras de arte, ou nas convenções de representação. Ao contrario ela foi inseparável de uma vasta reorganização do conhecimento e das práticas sociais que, de inúmeras maneiras, modificaram as capacidades produtivas, cognitivas e desejantes do sujeito humano." p 13
"com Manet, o impressionismo e/ou o pós-modernismo, surge um novo modelo de representação e percepção visual que constitui uma ruptura com outro modelo de visão, de séculos anteriores, vagamente definível como renascentista, de perspectiva ou normativo. " p 13
"um modelo confuso da visão no século XIX, que se bifurca em dois níveis: em um deles, um número relativamente pequeno de artistas mais avançados criou um tipo de visão e de significação radicalmente novo, enquanto no nível mais cotidiano a visão permaneceu inserida nas mesmas limitações "realistas" gerais que a haviam organizado desde o século XV." p 13-14
"a suposta revolução perspectiva da arte avançada, no final do século XIX, é um acontecimento cujos efeitos vieram de fora dos modos de ver predominantes. (...)trata-se de uma ruptura que ocorre à margem de uma vasta organização hegemônica do visual, que se torna cada vez mais forte no século XX com a difusão e a proliferação da fotografia, do cinema e da televisão.(...) A noção de uma revolução visual modernista depende da existência de um sujeito que mantém um ponto de vista distanciado, a a partir do qual o modernismo pode ser isolado.(...) contra o pano de fundo de uma visão normativa." p 14
"o problema do observador é o campo no qual se pode dizer que se materializa, se torna visível, a visão na história. A visão e seus efeitos são inseparáveis das possibilidades de um sujeito observador, que é a um só tempo produto histórico e lugar de certas práticas, técnicas instituições e procedimento de subjetivação." p 15
" Mencionei a ideia de uma história da visão apenas como possibilidade hipotética. É irrelevante se a percepção ou a visão realmente mudam, pois elas não possuem uma história autônoma. O que muda é a pluralidade de forças e regras que compõem o campo no qual a percepção ocorre. E o que determina a visão em qualquer momento histórico não é uma estrutura profunda, nem uma base econômica ou uma visão de mundo, mas, antes, uma montagem coletiva de partes díspares em uma única superfície social. Talvez seja necessário considerar o observador como uma distribuição de fenômenos localizados em muitos lugares diferentes." p 15-16
"É claro que não houve um observador único, nenhum exemplo que possa ser encontrado empiricamente . Contudo, pretendo traçar algumas condições e forças que definiram ou permitiram a formação de um modelo dominante de observador do século XIX.(...)Não interessa discutir aqui formas locais e alternativas com as quais as práticas visuais dominantes resistiram, foram desviadas ou se constituíram de maneira imperfeita.(...) O que está em jogo é bem diferente: como se periodiza e onde se localizam ou se recusam rupturas são escolhas políticas que determinam a construção do presente. p 16
"Tais dispositivos ópticos, de maneira significativa, são pontos de interseção nos quais os discursos filosóficos, científicos e estéticos imbricam-se a técnicas mecânicas,exigências institucionais e forças socioeconômicas. Mais do que objeto material ou parte integrante de uma história da tecnologia, cada um deles pode ser entendido pela maneira como está inserido em uma montagem muito maior de acontecimentos e poderes. (...) Para Gilles Deleuze, "uma sociedade se define por suas amálgamas, não por suas ferramentas ª,[...]. As ferramentas só existem em relação às combinações que possibilitam ou que as tornem possíveis". p 17
"Argumento que algumas das mais disseminadas tecnologias de produção de efeitos "realistas" na cultura visual de massas, como o estereoscópio, basearem-se em uma abstração e reconstrução radicais da experiência óptica, o que exige uma reconsideração do que significa "realismo" no século XIX.(...) observador no início do século XIX dependiam prioritariamente dos modelos de visão subjetiva, em contraste com a sistemática supressão da subjetividade da visão no pensamento dos séculos XVII e XVIII. " p 18
"desejo portanto, delinear um sujeito observador que é a um só tempo causa e consequência da modernidade no século XIX. Em linhas muito gerais, o observador sofre um processo de modernização no século XIX, ajustando-se a uma constelação de novos acontecimentos, forças e instituições que, juntos, podem ser definidos, de modo vago e talvez tautológico, como "modernidade". p 18-19
"é possível propor uma lógica da modernização radicalmente dissociada da ideia de progresso ou de desenvolvimento e que implica, ao contrario, transformações não lineares. Para Gianni Vattino, a modernidade possui precisamente essas caraterísticas "pós-históricas", nas quais a produção continua do novo é o que permite que as coisas permaneçam as mesmas. (...) a modernização torna-se mais incessante e autoperpetuante criação de novas necessidades, novas necessidades, novas maneiras de consumo e novos modos de produzi. O observador, como sujeito humano, não é exterior a esse processo, mas imanente a ele." p 19
"Para Baudrillard, uma das consequencias cruciais das revoluções políticas burguesas no final do século XVIII foi a força ideológica que animou os mitos do direito do homem, o direito a igualdade e à felicidade. No século XIX, pela primeira vez, provas observáveis tornaram-se necessárias para demonstrar que a felicidade e a igualdade tinha sido, de fato, alcançadas." p 20
"A modernidade, para Baudrillard, está estritamente ligada à capacidade que grupos e classes sociais recém-chegados ao poder têm de superar o "exclusivismo dos signos", promovendo "uma proliferação de signos sob demanda. Imitações, cópias (...) desafiaram o monopólio e o controle aristocrático dos signos. Aqui, o problema de estética, mas de poder social; um poder fundado na capacidade de produzir equivalências" p 21
"Junto com o desenvolvimento de novas técnicas industriais e novas formas de poder político, emerge um novo tipo de signo. Esses novos signos, "objeto potencialmente idênticos produzidos em série indefinidas", anunciam o momento em que o problema da mimese desaparece." p 21
"A fotografia converteu-se em um elemento central não apenas na nova economia da mercadoria, mas na reorganização de todo um território no qual circulam e proliferam signos e imagens , cada um deles efetivamente separado de um referente. (...) Para entender o "efeito fotografia" no século XIX, é preciso vê-lo como componente crucial de uma nova economia cultural de valor e troca, não como parte de uma história contínua de representação visual." p 21-22
"Assim como Marx disse a respeito do dinheiro, a fotografia também é uma grande niveladora, um agente democratizador, um "mero símbolo", uma ficção "sancionada pelo pretenso consenso universal da humanidade". p 22
"Minha tese é que uma reorganização do observador ocorre no século XIX antes do surgimento da fotografia. O que acontece entre 1810 e 1840 é um deslocamento da visão em relação às relações estáveis e fixas cristalizadas na câmara escura.(...) Em certo sentido, ocorre uma nova valoração da experiência visual: ela adquire mobilidade e intercambialidade sem precedentes, abstraídas de qualquer lugar ou referencial fundante." p 22
"O que denomino observador é apenas um efeito de construção de um novo tipo de sujeito ou indivíduo no século XIX. A obra de Michel Foucault é crucial sobre isso, por analisar processos e instituições que racionalizaram e modernizaram o sujeito nesse contexto de transformações sociais e econômicas. (...) Para Foucault, a modernidade do século XIX é inseparável da maneira pela qual mecanismos de poder dispersos coincidem com novos modos de subjetividade." p 23-24
"Foucault denominou "uma tecnologia muito real, a tecnologia dos indivíduos", que está "inscrita em um amplo processo histórico: o desenvolvimento, aproximadamente na mesma época, de muitas outras tecnologias - agronômica, industrial, econômica.
Para desenvolver essas novas técnicas disciplinares do sujeito foi fundamental definir normas quantitativas e estatística de comportamento." p 24
"afirmação categórica de Foucault: "Nossa sociedade não é do espetáculo, mas da vigilância(...) Não estamos nem no anfiteatro nem no palco, mas na máquina panóptica. (...)"Embora essa observação ocorra m meio a uma comparação entre arranjos de poder na Antinguidade e na modernidade, o uso que Foucault faz do termo "espetáculo" está claramente relacionado às polêmicas da França pós-1968.(...) Pode-se muito bem imaginar o desprezo de Foucault - que escreveu uma das maiores análises sobre modernidade e poder - por qualquer uso fácil ou superficial do"espetáculo" como explicação de como as massas são "controladas" ou " enganadas" pelas imagens midiáticas." p 26
"Os aparelhos ópticos do século XIX envolveram, não menos que o panóptico, ordenamento de corpos no espaço, regulações das atividades e o udo dos corpos individuais, que codificam e normatizaram o observador no interior do sistema rigidamente definidos em termos de consumo visual." p 26-27
" Não estou sugerindo, porém , que a "sociedade do espetáculo" emerge repentinamente, junto com os desenvolvimentos que analiso aqui. O "espetáculo", conforme o uso que Debord faz do termo provavelmente não toma forma de maneira efetiva até meados do século XX." p 27
"O estereoscópio é um lugar cultural da maior importância, em que se evidencia de maneira singular essa ruptura entre o que é palpável e o que é visível." p 28
"Para Benjamin, a percepção era nitidamente temporal e cinética; ele esclarece como a modernidade subverte até mesmo a possibilidade de uma nova percepção contemplativa. Jamais há acesso puro a um objeto em sua unicidade; a visão é sempre múltipla, contígua e sobreposta aos outros objetos, desejos e vetores." p 28
"XIX. O observador de pinturas nesse século sempre era também um observador que simultaneamente consumia uma variedade crescente de experiências ópticas e sensoriais.(..) As pinturas eram produzidas e assumiam um significado não em algum isolamento estético, de resto impossível , ou em uma tradição contínua de códigos pictóricos, mas como um dos muitos elementos consumíveis e efêmeros em um caos cada vez maior de imagens, mercadorias e estímulos." p 28
"Para Benjamin, a percepção no contexto da modernidade nunca revelava o mundo como presença. O observador era identificado como flâneur, consumidor móvel de uma sucessão incessante de imagens ilusórias semelhantes a mercadorias. " p 29
"TrÊs desenvolvimentos desse século são inseparáveis da institucionalização da prática histórica da arte: 1) os modos historicistas e evolucionistas de pensamento, que permitiram que as formas fossem ordenadas e classificadas segundo um desenvolvimento temporal; 2) as transformações sociopolíticas que envolveram a criação do tempo de lazer e a emancipação cultural dos setores mais amplos das populações urbanas, que tiveram como um dos resultados o museu público de arte; e 3) novos modos de reprodução em série da imagem, que permitiram tanto a circulação global como a justaposição de cópias altamente confiáveis de diferentes obras." p 29
"Aqui nos interessa destacar o reconhecimento profundo, subliminar ou não, pelos primeiros historiadores da arte, de que há uma descontinuidade na arte do século XIX em relação à arte dos séculos anteriores. (...) O silêncio, a indiferença ou mesmo o desprezo do historiador da arte pelo ecletismo e pelas formas "degradadas" insinuam que esse período constituiu uma linguagem visual radicalmente diferente, que não poderia ser submetida aos mesmos métodos de análise; não seria possível fazê-la falar das mesmas maneiras, e ela não poderia sequer ser interpretada." p 30
" O século XIX foi sendo gradualmete assimilado pelo mainstream da disciplina e submetido a uma investigação aparentemente fria e objetiva, (...) ao inserir apintura do século XIX em uma história da arte contínua e em um aparato exegético discursivo unificado, alguns traços de sua diferença essencial se perderam. "p 30-31
Assim como Benjamin, Nietzsche subestima qualquer possibilidade de um espectador contemplativo e propões uma confusão recreativa e antiestética como característica central da modernidade, (...)A modernidade nesse caso, coincide com o colapso dos modelos clássicos de visão e seu espaço estável de representações. Em vez disso, a observação torna-se cada vez mais, uma questão de sensações e estímulos equivalentes, desprovidos de referencia espacial." p 32
"Uma vez que a visão passou a se localizar no corpo empírico e imediato do observador, ela passou a pertencer ao tempo, ao fluxo, à morte. As garantias de autoridade, identidade e universalidade fornecidas pela câmara escura pertencem a outra época." p 32