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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

A cartografia e a relação pesquisa e vida

Fichamento: Romagnoli, R. C. “A cartografia e a relação pesquisa e vida”

“As ciências surgem no Ocidente, favorecendo a migração do polo religião, central nas sociedades tradicionais, para o polo razão, sustentáculo da chamada Modernidade. (...)Baseada em esquemas de eficácia e rendimento, conquista um espaço absoluto, impondo-se como força hegemônica na cultura ocidental moderna, relegando ao descrédito e ao esquecimento todos os outros saberes que não estão em consonância com seus pressupostos, a saber: objetividade, causalidade, sistematização e produtividade.”

“As ciências humanas se inserem no contexto da época, altamente positiva. Sua ascensão foi marcada pela abordagem empírica, traduzida por meio de experimentos, com o intuito de compreender a realidade. A psicologia se torna ciência aliada às ciências Naturais, no final do século XIX, produzindo conhecimento através do método experimental, que tem a objetividade, na quantificação e na generalização os sustentáculos da pesquisa.(...) Essa perspectiva defende que é preciso estudar os fenômenos sociais como se fossem naturais.”

“Até a 2ª metade do séc XX, a pesquisa experimental e seu método constituíam o padrão de produção de conhecimento científico, inclusive para a própria Psicologia. A partir dessa época, no entanto, paralela à vertente positivista, base desse tipo de pesquisa, surge um movimento filosófico, que sustenta a visão de mundo existencial, em que vivencia e a percepção que o ser humano tem de suas experiências torna-se essencial. (...)inaugura uma mudança radical da investigação científica e insiste no homem que tem consciência de sua própria vida e da dos seres com quem se relaciona, como peça fundamental do trabalho.(Forghieri, 1993)(...) Surge nesse momento histórico a distinção entre pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa(Smith 1994)

“Com forte crítica à neutralidade científica, surge a pesquisa-ação, também chamada de pesquisa participante, enfatizando o envolvimento do pesquisador com seu objeto de estudo, pois a pesquisa passa a ser também um fator de transformação social.”       

“Todo fenômeno ou processo social deve ser entendido nas suas determinações e transformações dadas pelos sujeitos, mediante uma relação intrínseca de oposição e complementaridade entre mundo natural e social, entre pensamento e base material. Dessa maneira, a cientificidade está associada à complexidade da natureza e das culturas, e o conhecimento sempre vem associado à práxis, pois a lógica do pensamento está vinculada aos processo históricos das mudanças, dos conflitos sociais e suas contradições.”

“é necessário pontuar que cada método possui sua explicação do que ocorre entre sujeito e objeto. O método experimental parte do pressuposto de que essa articulação é mediada por relações ordenadas entre fatos observados empiricamente.(...)O método fenomenológico, por sua vez, busca nessa relação a consciência que daí emerge, através dos significados que o sujeito atribuiu ao objeto.(...) o método dialético tem como objetivo abranger a articulação entre o dia-a-dia de determinado grupo social, de certo objeto de estudo, com o sistema de ideias e representações que o constitui e que deriva na alienação.(...)(Paulon,2005)”

“o método científico é um instrumento para a explicação da verdade, embasado, como vimos, na conexão assídua entre teoria e procedimentos metodológicos. E a racionalidade, mesmo que seja objeto de grande questionamento nas Ciências Humanas, a garantia de seu alcance.”

Resultado de imagem para surgimento ciencia“hoje, a própria ciência está em crise. De acordo com Santos(2002), “estamos no fim de um ciclo de hegemonia de certa ordem científica. As condições epistêmicas das nossas perguntas estão inscritas no avesso dos conceitos que utilizamos para lhes dar resposta”

“nos deparamos com a complexidade da realidade, e também da subjetividade, opondo-se frontalmente a um conhecimento que se impõe como verdade, generalizante e simplificado, e que tem como objetivo alcançar a previsibilidade a partir de um espaço inteligível de certezas(Morin, 1996) “

“de acordo com Veiga-neto (2002), vivemos hoje a emergência de um pensamento pós moderno que visa a um questionamento continuo das ações com analise crítica. Esse pensamento possui como característica: a humildade epistemológica, ao não perseguir a verdade;(...) Nesse sentido, Morin (1983) faz uma crítica ao paradigma moderno, chamando-o de paradigma da simplificação.”

“Em contrapartida, vem á tona um conhecimento não dualista, que não faz a separação ente natureza/cultura, objetivo/subjetivo, quantitativo/qualitativo. Além disso, insiste na produção de um conhecimento local e transitório que reconhece a necessidade de uma pluralidade metodológica, pois “cada método é uma linguagem, e a realidade responde na língua que foi perguntada”(Santos,2002.p.48), destacando-se a operação reducionista que daí deriva.”

Resultado de imagem para cartografia“a transdisciplinaridade  busca exatamente a perda da identidade de cada teoria, de cada prática, para ocorrer algo no “entre”, a partir da desestabilização das “certezas” de cada disciplina, apostando ainda na criação de uma relação de intercessão com outros saberes/poderes/disciplinas, pois é nesse “entre” que a invenção acontece, como nos chama a atenção Benevides de Barros (2005)”

“A cartografia se apresenta como valiosa ferramenta de investigação, exatamente para abarcar a complexidade, zona de indeterminação que a acompanha, colocando problemas, investigando o coletivo de forças em cada situação, esforçando-se para não se curvar aos dogmas reducionistas.”

“Drawin (2001), método corresponderia a um caminho levado a um fim, associado a uma “reinvindicação de um trabalho, de um renovado esforço, o que não seria necessário se já se possuísse uma fórmula prefixada, e se o caminho para o conhecimento já houvesse sido conquistado”(p.10). Nessa perspectiva, o método é uma nova proposta para reencontrar o saber que se encontra em crise.”

“A cartografia, como portadora de certa concepção de mundo e de subjetividade, a serem apresentados abaixo, traz um novo patamar de problematização, contribuindo para a articulação de um conjunto de saberes, inclusive outros que não apenas o científico, e favorecendo a revisão de concepções hegemônicas e dicotômicas.”

“o método cartográfico “desencadeia um processo de desterritorialização no campo da ciência, para inaugurar uma nova forma de produzir o conhecimento, um modo que envolve a criação, a arte, a implicação do autor, artista, pesquisador, cartógrafo” (Mairesse, 2003, p.259)


“A subjetividade é constituída por múltiplas linhas e planos de forças que atuam ao mesmo tempo: linhas duras, que detêm a divisão binaria de sexo, profissão, camada social, e que sempre classificam, sobrecodificam os sujeitos; e linhas flexíveis, que possibilitam o afetamento da subjetividade e criam zonas de indeterminação, permitindo-lhe agenciar.”

“De acordo com Rolnik (1999), as rupturas de sentido ocorrem quando a subjetividade é lançada na processualidade da vida e se vê forçada a trilhar novos caminhos via agenciamento maquínicos, produtivos, a habitar novas formas de viver. Esse é o movimento próprio da vida, da criação. As linhas da subjetividade compõem o território existencial, o modo de existência de cada um de nós, e também possibilitam que se exerça a invenção.”

“O plano de organização sustenta as linhas duras da subjetividade, enquanto o plano de consistência sustenta suas linhas flexíveis, que podem se transformar em linhas de fuga que se dirigem para a invenção, para a estranheza da vida. Um território existencial é formado quando os elementos heterogêneos que compõem a subjetividade ganham alguma homogeneidade, determinada composição. Esse território localiza-se na interface entro o que se repete e é conhecido e o que pode afetar, desterritorializar, produzir outra composição , via agenciamentos.”

“o que a cartografia persegue, a partir do território existencial do pesquisador, é o rastreamento das linhas duras, do plano de organização, dos territórios vigentes, ao mesmo tempo em que também vai atrás das linhas de fuga, das desterritorializações, da eclosão do novo.”

“a cartografia se contrapõe às pesquisas cientificistas tradicionais, objetivando romper com as dicotomias teórico-prática, sujeito-objeto, articulando pesquisador e campo de pesquisa.”

“Os paradigmas emergentes e a cartografia ainda constituem desafios para nós, pesquisadores formados dentro de uma tradição moderna, acostumados a fragmentar, a racionalizar e a perseguir a verdade.”
“a cartografia aponta para a construção de saídas e inspirações para quem se propõe a estudar a realidade, promovendo uma flexibilização metodológica, que tem como intuito escapar da reprodução e do acomodamento intelectual, características necessárias para acompanhar as mudanças”

Resultado de imagem para cartografia“A cartografia exige rigor e, no caso , não se trata somente da sustentação da singularidade e da invenção, mas também o uso dos conceitos incorporados à processualidade da pesquisa, sustentando a pressão exercida pelo plano de forcas no território acadêmico.(...) seu uso não deve ser dogmático, hermético.”
“a produção de conhecimento calcada na cartografia implica um exercício de desapego `as formas acadêmicas dominantes e instituídas, ainda que elas estejam imanentemente presentes.”

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